Por João Luís de Almeida Machado
Marinho era o gerente ideal. Tudo fazia de acordo com as normas da empresa. Era capaz de inclusive mencionar em que página se encontrava uma determinação ou orientação de trabalho. Começara no Hotel como atendente. Fizera sua graduação em curso noturno. Pagara com dificuldades, pois vinha de uma família modesta. Fora o primeiro de sua família a concluir curso universitário. Sua ascensão na empresa, no entanto, fora lenta. Reconheceram seu potencial, mas seu patrão, o dono daquela rede de hotéis esperava dele que fosse um pouco além do que oferecia no desempenho de suas funções. Faltava a Marinho a capacidade de inovar, de criar…
Num outro hotel da rede, em cidade próxima, trabalhava Reinaldo, que também ocupava o cargo de gerente. Diferentemente de seu colega Marinho, a quem conhecia, suas principais qualidades relacionavam-se justamente a capacidade de improvisar, de resolver problemas, de ser criativo na gestão do empreendimento. Faltava-lhe, no entanto, comprometimento com as normas, rigor no cumprimento das diretrizes da empresa. Não que fosse irresponsável ou descabeçado, pelo contrário, era comprometido, mas fazia tudo no ímpeto, na boa vontade, na disposição de resolver as pendências e isso, por vezes, acabava não resolvendo as situações do jeito esperado.
Todos os anos, em 2 ocasiões, no início de cada semestre, ocorriam encontros envolvendo os gerentes dos hotéis daquela rede. Eram realizadas palestras, oficinas e debates sobre como melhorar o atendimento, apresentando modernas técnicas de gestão, orientando quanto a relação com clientes, demonstrando ações para melhorar o clima no estabelecimento… Era um investimento alto do mantenedor que, invariavelmente acabava induzindo a introdução de novas ações e melhorando os serviços prestados. Todos os gerentes, dos mais de 35 hotéis do grupo, juntamente com seus principais assistentes, participavam atentamente, inclusive Marinho e Reinaldo, que se conheciam justamente destes encontros.
No último encontro, entre os temas destacados estavam justamente a necessidade de maior comprometimento com as regras e padrões estabelecidos nos empreendimentos e fora trazida uma especialista para falar sobre inovação e criatividade.
A princípio tanto Reinaldo quanto Marinho pensavam que uma coisa emperrava a outra, ou seja, que o ser criativo era paralisado pelas regras ou que a aplicação do regulamento não dava muito espaço para a inovação. Foi-lhes mostrado que não era bem assim.
A palestrante, estudiosa do assunto e responsável por ações relacionadas à criatividade em diferentes tipos de empreendimentos, esclareceu que é preciso “pensar fora da caixa” para compor, realizar e agir de modo inovador. Segundo ela, isso não ocorre da noite para o dia, ou seja, tem que ser estimulado e que, para que as pessoas ajam desta forma criativa, elas precisam abrir os olhos, ler o mundo e se motivar a partir de tudo aquilo que há ao seu redor, sem se apequenar ou se limitar apenas ao seu universo imediato. Para exemplificar disse, por exemplo, que os estilistas, responsáveis pelos grandes lançamentos da moda mundial, buscam muita inspiração na natureza, olhando para a fauna e a flora, criando padrões que reproduzem a ideia, o conceito, o design e a textura da pele de animais ou de cascas de árvores, cores de frutas e do desenho de folhas.
Por outro lado, ocorreu uma mesa de debates reunindo três autoridades que destacaram a história, importância e atualidade das regras e regulamentos, chegando a conclusões que mereceram os aplausos de todos. As regras não surgiram ao acaso, foram criadas como meios de estabelecer juntamente aos homens a condição de equilíbrio, harmonização e respeito. Sem leis e regulamentos, com as pessoas agindo do jeito que imaginam ser o melhor abrem-se brechas para os conflitos, o que motivou grandes filósofos e teóricos a produzir obras marcantes como “O Leviatã”, de Thomas Hobbes. Entender os sistemas, compreender o papel e a importância de cada um, equacionar forças e orientar ações para que o coletivo produza o melhor em prol da sociedade, seja no setor público ou no privado, depende do conhecimento e aplicação das regras. E elas não devem ser vistas como “camisas de força”, ressaltaram os estudiosos, ou seja, não existem para tolher os esforços e ações criativas, pelo contrário, devem ser percebidas como direcionadores de ações, mas não como limitadores da criação e da inovação.
Marinho achou tudo aquilo interessante, mas complexo e difícil de atingir. Como ele conseguiria fazer isso com a dura rotina de trabalho do hotel, que mal lhe permitia almoçar direito? Conciliar inovações, mas de onde viriam?
Reinaldo entendeu bem os discursos, mas era resistente as regras e não entendia como poderia inseri-las em seu cotidiano sem que se limitasse em suas ações criativas, acreditava que perderia sua espontaneidade.
Felizmente, ao final daquele dia de trabalho e estudos, foi realizada uma ação que reunia profissionais de diferentes estabelecimentos em mesas de discussão. O foco era justamente fazer com que conciliassem os conceitos aparentemente tão distantes discutidos naquele dia. E como as coisas não acontecem ao acaso, na mesma mesa ficaram Reinaldo e Marinho. De sua interação veio a solução para os problemas imediatos.
Marinho se propôs a ajudar Reinaldo com o regulamento dos hotéis da rede em que trabalhavam. Seu trabalho neste sentido sempre despertara o respeito de todos e os clientes elogiavam seu modo impecável de reger a orquestra, ou seja de, administrar o hotel. Parecia até um estabelecimento britânico, de tão rigoroso. Faltava-lhe, no entanto, o jogo de corpo, a ginga e o improviso para lidar com certas situações. Seu jeito metódico, ainda que por vezes parecesse cansativo para o amigo Reinaldo, além de permitir o estudo e conhecimento das regras, servia também como lição de autocontrole e de disciplina para seu espontaneísmo.
Reinaldo, por outro lado, iniciou trabalho de orientação juntamente a Marinho quanto aos métodos e ações criativas que lhe permitiam fazer de seu hotel um dos mais inovadores da rede. Os hóspedes gostavam dos pequenos mimos reservados a quem chegava em lua de mel ou celebrando aniversários de casamento. Quem se hospedava a trabalho contava com recursos nos quartos que pareciam próprios de seus escritórios. A falta de rigor no cumprimento das regras, no entanto, comprometiam alguns serviços essenciais e geravam críticas e desconforto. Apesar de parecer um tanto quanto desorganizado aos olhos de Marinho, Reinaldo foi mostrando suas técnicas e meios para ser mais criativo. Criou um roteiro cultural para enriquecer os conhecimentos e abrir os olhos de Marinho e indicou-lhe leituras.
Eles se encontravam todas as semanas, em horários de folga, para as tais aulas. Estreitaram a amizade, é claro, mas acima de tudo, nestes momentos, afinaram os instrumentos. Reinaldo entendeu melhor o poder, a necessidade e a importância das regras. Marinho tornou-se mais flexível, aplicou inovações em seu hotel e abriu os olhos e o coração para além de seu ambiente de trabalho. Ao final de um ano, os dois tinham os melhores hotéis da rede. Ao final de 5 anos, juntos davam consultoria para todos os hotéis e, nos encontros, apresentavam sua história de sucesso adicionando a elas os resultados obtidos por eles e por todos os outros que juntavam forças e reunidos mudavam hábitos de trabalho, comprometendo-se em ser cada vez melhores…
João Luís de Almeida Machado é Doutor e mestre em educação, graduado em história, escritor e membro da Academia Caçapavense de Letras, atua no ramo de gastronomia e hotelaria como pesquisador, jornalista e professor. Consultor da QI Profissional.